Atenção à nova Lei de Arrendamento Urbano

Beduínos<br> ou portugueses com direitos

Modesto Navarro
Na sessão comemorativa do 80.º Aniversário da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, o presidente do Instituto Nacional da Habitação, que representava a então secretária de Estado da Habitação, declarou, a certa altura, que a política de estímulo à aquisição de casa própria, praticada nos últimos anos, tinha sido um erro. Isto a propósito da Lei de Arrendamento Urbano que aí vinha, e porque, dizia ele, a mobilidade de emprego é já uma realidade e ter casa própria amarra as pessoas a uma localidade e região, o que se revela negativo em situações de mudança de local de trabalho.
Bom, nós já sabíamos que estes governos PSD/CDS-PP não têm feito outra coisa que não seja roubar às pessoas o emprego, a estabilidade familiar, o gosto de viver e de trabalhar em paz. Mas, dito assim, tão claro, este propósito de implantar na sociedade portuguesa a instabilização total de quem trabalha (ou quer trabalhar) e precisa de habitação condigna, merece a maior atenção de todos nós.
Sabemos que a nova Lei de Arrendamento Urbano estava preparada e que fora apreciada em conselho de ministros. Segundo a comunicação social e as declarações da então secretária de Estado da Habitação e de outros governantes, ela mereceu o acordo do governo anterior. Mas, como ia haver eleições para o Parlamento Europeu, ficou congelada, para evitar maiores danos eleitorais à direita no poder, e só agora veio à tona.
Santa claridade que convém não deixar passar. À fase brutal de pôr os portugueses sem trabalho e sem direitos, através das famigeradas leis laborais de Durão Barroso e de Bagão Félix, seguir-se-á agora a legislação sobre o arrendamento urbano, que irá criar condições para o agravamento das condições de vida dos portugueses e a expulsão de muitas famílias das casas que habitam e dos locais que amam.
Instabilidade no emprego, maior desemprego e, agora, instabilização brutal do direito à habitação, vão fazer de nós o quê? Creio que o governo PSD/CDS-PP pretende transformar-nos em «beduínos», ou seja, em famílias a andar por aí, de lugar em lugar, de cidade em cidade, com a tenda às costas, à procura de trabalho precário e temporário e de casa arrendada «a preços de mercado», ou seja, incomportáveis para quem ganha os ordenados de miséria já conhecidos e outros que aí virão, ainda piores.
Valerá a pena ler as declarações dos governantes sobre esta matéria da nova legislação de Arrendamento Urbano e combater desde já os propósitos do governo PSD/CDS-PP. Combatê-los nas instituições, nas associações, nas empresas e nas ruas. Não ter apenas uma perspectiva institucional, mas sim trazer à opinião pública a gravidade da situação e os propósitos de quem quer levar até ao fim os seus objectivos crueis e determinados de não deixar pedra sobre pedra, na sociedade portuguesa, quanto a direitos sociais e a um mínimo de felicidade e de gosto de viver.
Claro que, numa perspectiva de alternância, o PS aí está, a esfregar as mãos e a dizer, através da deputada Leonor Coutinho, ex-secretária de Estado da Habitação, na mesma sessão comemorativa do 80.º Aniversário da AIL, que era necessário que o governo pusesse cá fora, o mais rapidamente possível, as leis de Arrendamento Urbano e das Sociedades de Reabilitação Urbana (outra forma leonina de esbulho do direito à habitação que já está a ser levada a cabo). Ao PS interessa que este governo faça agora o mal todo, para depois poderem herdar as leis e a destruição já operada, que irão continuar sob a capa de que é ao governo anterior, da direita, que cabem as culpas.
Nós já conhecemos estes jogos do poder pelo poder e estas «alternâncias» que só levam à frustração, à revolta e à pobreza cíclica de termos «mais do mesmo». Por isso, antes que seja tarde, é necessário batermo-nos contra o que aí vem, para que não sejamos todos transformados em «beduínos», em errância e alternância por este país fora. Antes sejamos combatentes organizados e lúcidos contra o que está a ser feito e preparado em matérias tão fundamentais, dos direitos ao trabalho e à habitação, afinal coisas tão importantes para a estabilidade das famílias portuguesas. E, esta questão das famílias, é um valor que a direita agita como bandeira mas que põe em causa tão continuada e acintosamente, governando apenas e sempre a favor de uma minoria instalada, dona e senhora de riquezas de que diariamente se apropria e mandadora imperial de governantes medíocres, atentos e veneradores. A isto se pode chamar terrorismo social do governo de Santana Lopes e Paulo Portas.


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